Agricultura e seguran�a alimentar

O debate, realizado recentemente numa sala de reuniões em Arusha, foi animado:

“Devemos assegurar, antes de mais, que a nossa agricultura nos alimente”

“Se cultivar batata-doce para a minha família, onde é que está o apoio para mim?”

“Podemos fortalecer a agricultura africana o suficiente para poder participar no mercado mundial com uma posição forte?”

“Importa lembrar que os agricultores e os produtores pecuários têm necessidades diferentes”

“Como é que podemos traduzir o plano director em impacto real no terreno?’

“Como podemos garantir que os agricultores tenham acesso à água?”

“Devemo-nos concentrar mais no processamento de alimentos e não apenas na sua produção”

A questão mais frequentemente levantada era:

“Como podemos tomar parte neste processo e fazer com que os decisores escutem o que temos a dizer?”

O processo que está a ser debatido tem a ver com o quadro de política agrícola. Se acha isso enfadonho, pense novamente. Trata-se, literalmente, de uma questão de vida ou morte. 

A agricultura em África

A agricultura é a espinha dorsal da economia em África. Nas zonas rurais, a agricultura é a fonte de subsistência para 80% das pessoas e contribui, em média, mais de um terço do PIB. Cerca de 80% das explorações agrícolas em África são de pequena escala, com menos de 2 hectares de terra e produzem a maior parte dos alimentos essenciais. Por exemplo, em Moçambique, cerca de 3,2 milhões de agricultores de pequena escala contribuem cerca de 95% do valor do sector agrícola, enquanto os restantes 5% provêem de apenas 400 agricultores comerciais.

A agricultura é particularmente importante para as mulheres. As mulheres fornecem 60-80% da mão-de-obra agrícola e, em muitas sociedades africanas, têm a responsabilidade primordial na produção de alimentos para o agregado familiar. Também têm um grande papel na transformação e comercialização de alimentos em pequena escala. O impacto das migrações e do VIH tem sido "feminizar" ainda mais a agricultura.

No entanto, apesar de ser um continente agrícola, a África é também a região do mundo com os maiores índices de fome. Esta situação está a exacerbar-se cada vez mais. Na Declaração do Milénio, os governos de todo o mundo comprometeram-se a reduzir a fome em metade até 2015; porém, na realidade agora existem mais pessoas que vivem com fome constante do que na altura em que este compromisso foi assumido.

Este fracasso absoluto até mesmo em termos de se lograr qualquer diminuição dos índices da fome, para não falar da sua redução em metade, é uma consequência das actuais políticas internacionais e dos governos nacionais para o sector de agricultura e segurança alimentar. É necessário que sejam introduzidas mudanças e uma questão fundamental a ser abordada tem a ver com aqueles que definem as políticas.

Os sistemas alimentares em África têm excluído do processo de formulação das políticas alimentares e agrárias a grande maioria das pessoas envolvidas na produção de alimentos e na alimentação das pessoas, isto é, as mulheres, os pequenos agricultores, as populações autóctones, os trabalhadores migratórios, agrícolas e pesqueiros bem como os produtores pecuários. Estes grupos também integram a maioria das pessoas que vivem com fome. É necessário que os produtores de alimentos tenham voz na definição das políticas que afectam as suas próprias vidas a um nível tão fundamental, como o de direito à alimentação. Pois, trazem consigo um acervo de conhecimentos, compreensão dos contextos locais e diversidade de ideias.

A ACORD está a trabalhar no sentido de apoiar os grupos de agricultores que reivindicam um papel mais preponderante na formulação de políticas agrárias e de segurança alimentar.

Investimento na agricultura

Uma razão simples do fracasso das políticas agrárias é a redução significativa do investimento na agricultura que teve lugar nas últimas duas décadas. Durante muito tempo, a agricultura era considerada um beco sem saída e, consequentemente, o financiamento era canalizado para outros sectores. Porém, a evidência do fracasso levou a uma mudança de pensamento e agora a agricultura é considerada como sendo a força motriz necessária para impulsionar o crescimento das economias africanas.

Os governos africanos assumiram o papel de vanguarda nesta mudança quando, em 2003, assinaram a Declaração de Maputo comprometendo-se a investir, pelo menos, 10% dos seus orçamentos nacionais na agricultura. No entanto, durante muito tempo pouco progresso foi registado neste sentido. Em 2007-8, a teoria e a realidade coincidiram. Os principais doadores, como o Banco Mundial, anunciaram uma mudança na sua forma de pensar ao mesmo tempo que os preços mundiais de alimentos se tornavam manchetes. Esta conjuntura trouxe, com renovado empenho, a agricultura e a segurança alimentar de volta para o topo da agenda internacional.

Esta é uma boa notícia, porém, o incremento no investimento em si não é suficiente. O financiamento só se traduzirá em desenvolvimento agrícola real, em apoio à redução da pobreza, em melhoria do bem-estar e aumento da segurança alimentar, se for canalizado de forma adequada, tendo subjacente políticas eficazes e centradas na produtividade dos pequenos agricultores. A perpetuação das actuais abordagens, sem nenhum sentido crítico, irá manter viva a fome.

O que é o CAADP?

O Programa Compreensivo para o Desenvolvimento Agrícola em África (CAADP) é a política quadro continental que visa ajudar os países na revisão do seu sector agrícola e na identificação das principais oportunidades onde o investimento e o apoio lograrão o crescimento agrícola. Dada a diversidade de contextos entre os países africanos, o CAADP somente pode fornecer um conjunto geral de princípios e estratégias. O CAADP é traduzido em realidade através de esforços coordenados visando a sua incorporação nas políticas nacionais e regionais. Este processo é coordenado pelas Comunidades Económicas Regionais (CERs) que estão a.

O CAADP foi criado em 2003 no contexto da Declaração de Maputo quando os governos africanos se comprometeram a aumentar os investimentos na agricultura. Durante vários anos, pouco foi feito neste âmbito, porém, isso mudou com a renovada proeminência da agricultura e segurança alimentar na sequência do choque dos preços mundiais de alimentos em 2007-8. Agora, os países doadores estão a tentar alinhar a sua ajuda através do quadro do CAADP e os países africanos estão a acelerar o processo de desenvolvimento das estratégias nacionais conhecidas como `Compactos do CAADP´.

A dimensão continental do CAADP e o nível de apoio que agora está a receber conferem-lhe imenso potencial. No entanto, este só se traduzirá em realidade, se as políticas do CAADP representarem uma ruptura com os últimos trinta anos de reajustamento estrutural a que a África foi submetida. Um aspecto que importa salientar aqui é que os debates em torno das políticas nacionais que estão a ocorrer no âmbito do desenvolvimento dos compactos do CAADP têm necessariamente que envolver os pequenos produtores de alimentos, em especial, as mulheres de modo a incorporar os seus conhecimentos e experiência.

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